domingo, 29 de setembro de 2013

PROJETO DE LEI QUE REGULAMENTA PUBLICIDADE INFANTIL AGUARDA APRECIAÇÃO NA CCJ

Imagem do site infancialivredeconsumismo.com
O projeto de lei 5921/01, que disciplina a publicidade voltada para o público infanto-juvenil, está agora para apreciação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal (CCJ), de onde seguirá para votação em plenário, após ter sido alterado na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Além de enormes interesses do mercado que retardaram sua votação, já que foi apresentado em 2001, sofreu também a pesada influência de grupos religiosos. LEIA AQUI post sobre o imbróglio.

Substitutivo apresentado em junho por seu relator, Salvador Zimbaldi (PDT ) (LEIA AQUI), foi alterado agora em setembro, antes de seguir para a CCJ. O grande foco da polêmica deu-se em relação ao artigo 6º do substitutivo alterado, onde constava no parágrafo 4º de seu inciso XVII que "A família é a base da sociedade e, quando exibida na propaganda comercial, institucional ou governamental, deverá observar a unidade familiar prevista no artigo 226, §3º da Constituição Federal." 

E o artigo 226 reza em seu parágrafo 3º que "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento."  Essa definição da família descrita pelas aparências físicas de seus consortes, tradicionalmente 'homem e mulher', vistos fenotipicamente como masculino e feminino, respectivamente, foi o foco maior da polêmica, já que impediria que membros de uniões homoafetivas, ou mesmo um homossexual isoladamente, pudessem participar nas peças publicitárias. Entre as alterações, o parágrafo 4º foi excluído do texto do projeto. 

 Acima na imagem, marcado, o parágrafo retirado recentemente do substitutivo apresentado em junho. No artigo 7, as proibições nas propagandas
O artigo 3º da Constituição Federal, em seu inciso IV, veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça e cor. Nesse sentido o Supremo entendeu, em maio de 2011  que ninguém pode ser discriminado em função de sua orientação sexual, concluindo que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide com o artigo. (LEIA AQUI) Com isso excluiu qualquer significado do artigo 1723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. (Leia o artigo AQUI

Com essa jurisprudência do STF caiu na prática o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição, no que se refere à união homem/mulher como única forma possível da entidade familiar. Assim a união homoafetiva estável redefine a entidade familiar. A partir disso, dois homossexuais nessa comunhão, da mesma forma que os heterossexuais, viveriam uma família, com reconhecimento jurídico e inclusive com a possibilidade legal de adoção de filhos e com obrigações e direitos legais. Fica garantida, também por isso, a participação de homossexuais nas peças publicitárias. O novo texto do projeto de lei pode ser lido em PDF AQUI, a partir da página 9.



Como em outros países uma nova configuração familiar está surgindo no Brasil. Porém isso não significa alteração nos sentimentos e valores que permeiam, ou devem permear, o espaço familiar, a exemplo do respeito e do afeto. E a publicidade produzida atingirá da mesma forma essa nova configuração, e não pode se dar sem limites. 

No caso de abusos publicitários, o projeto define sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor, definindo ainda o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) e órgãos congregados como fiscais. Fazem parte deste os Procons, Ministério Público, Defensoria Pública e entidades civis de defesa do consumidor, em atuação articulada e integrada com a Secretaria Nacional do Consumidor. Caso aprovado como está e a lei sancionada, Conselhos de Comunicação, nos níveis municipais, estaduais e federal poderiam também fazer parte do SNDC. São antigas reivindicações dos lutadores pela democratização das comunicações no Brasil.


A participação de pais, educadores, psicólogos e outras categorias na compreensão da questão e na influenciação no processo de votação deste projeto é fundamental para a boa formação de crianças e jovens brasileiros. Mais informações sobre o PL 5921/2001 podem ser lidas no site infâncialivredeconsumismo.com, AQUI, e no site da Câmara Federal, AQUI e AQUI. Também no site do Conselho Nacional de Psicologia, AQUI e na cartilha 'Contribuição da Psicologia para o Fim Da Publicidade Dirigida à Criança', AQUI.



domingo, 15 de setembro de 2013

MÃE STELLA DE OXÓSSI NA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA. ÓKÉ ARÓ!!!

Mãe Stella de Oxóssi
De seu canto lá no Orum Castro Alves já havia tecido a trama: 'minha cadeira agora será assento inequívoco do povo de santo, na pessoa da ialorixá Mãe Stella de Oxóssi'. Depois disso, 22 votos conferiram a ela a cadeira 33 da Academia de Letras da Bahia. Óké Aró!!! Arolé!

Com, seis livros publicados, formada em enfermagem pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e portadora do título Doutor Honoris Causa conferido pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Mãe Stella tomou posse na academia no último dia 12, na imponência e serenidade de seus 88 anos. Um fato inédito, e a cultura agradece. Mãe Stella é a quinta ialorixá a comandar o Ilê Axé Opô Afonjá, fundado em 1910.

Nas palavras do presidente da Academia, Aramis Ribeiro Costa: "Acredito que é a primeira vez que uma mãe-de-santo entra em uma Academia de Letras. Isso é absolutamente pioneiro, não tenho conhecimento disso em nenhum outra do Brasil ou do mundo. Representa o reconhecimento de uma cultura, de uma raça e da história de um povo. É uma figura notável" Segue o discurso da imortal, com a benção dos orixás:

Com o ogã Gilberto Gil, filho de Xangô

Ilê Opô Afonjá
Gostaria muito de iniciar meu discurso de posse nesta essa venerável Academia de Letras, dirigindo-me a todos, indistintamente, chamando-os de amigos. Entretanto, fui educada por uma religião que tem na hierarquia a sua base de resistência, o que coincide com a tradicionalidade desta Academia. Sendo assim, inicio este discurso saudando as autoridades presentes ou representadas, sentindo que estou saudando a todos que aqui vieram para engrandecer esta cerimônia

Em 1910, Mãe Aninha fundou, em Salvador, na Bahia, o terreiro de candomblé Ilé Àÿç Opo Afonjá, hoje mundialmente conhecido e respeitado. Mulher com a cabeça muito além de seu tempo, ela costumava dizer que queria ver seus filhos com anel no dedo servindo a ßàngó: oríÿa para quem consagrou sua cabeça e patrono da Casa de Culto aos Oríÿa que criou, mas que deixou de herança para todos nós, seus descendentes espirituais. 

Se a cabeça de Mãe Aninha foi consagrada; sua língua ganhou axé, ganhou força. Sua fala é uma sentença que seus filhos espirituais procuram obedecer e cumprir, como manda a sabedoria ancestral. Foi isso que também eu fiz, tanto que hoje me encontro aqui, na ilustre Academia de Letras da Bahia para ser empossada na cadeira 33. A sentença de mãe Aninha é mais profunda do que normalmente se costuma interpretar: receber um anel é símbolo de aceitação de um compromisso. A vanguardista senhora desejava que seus descendentes se comprometessem com as causas sociais e espirituais. Desejo de Mãe Aninha que se tornou de todas as iyáloríÿa que a sucederam. Esse também é meu desejo: comprometer-me com tudo que assumo, seja no âmbito social, seja no âmbito espiritual. 

Quando fui iniciada para o oríÿa Õÿösi, pelas mãos de Mãe Senhora, uma das filhas diletas de Mãe Aninha, eu tinha apenas catorze anos de idade. Em 1939, uma pessoa com essa idade era uma criança, que apenas obedecia a ordens, sem questionar o que lhe mandavam fazer. Se minha cabeça física sentia tudo aquilo como uma grande brincadeira, minha cabeça espiritual entendia que eu estava me comprometendo com algo muito sério. Ao ser iniciada, consagrei-me a Õÿösi. Tinha, então, compromisso com essa divindade, com minha mãe de santo, de saudosa memória, e com toda família Opo Afonjá. Meu compromisso não foi selado com um anel. Ele foi selado com correntes fininhas, que simbolizam elos de uma grande corrente que une o Àiyé e o Õrun, os homens e os deuses, o profano e o sagrado. Eu carregava elos de todas as cores: um arco-íris, uma ponte que me fazia transitar, ir e vir, da Terra ao Céu e do Céu à Terra. Em minha inocência, eu não entendia que aquelas correntes fininhas comunicavam aos deuses que eu era ainda um elo frágil, que precisava de energia, de àÿç, para me tornar um elo forte, capaz de segurar muitos outros elos.

Foi assim que aos 51 anos de idade fui escolhida pelos búzios, consequentemente, pelos deuses, para ser iyáloríÿa – mãe de oríÿa, aquela que dá nascimento à essência sagrada de algumas pessoas. Minhas guias fininhas foram substituídas por grossas, grossíssimas guias. Eu já não tinha a inocência dos catorze anos e pude compreender que eu passava a ser um forte elo, sobre o qual se esperava que fosse capaz de segurar e apoiar todos aqueles que buscassem força para atingir degraus mais elevados na existência humana. Uma mãe, no colo de quem muitos buscam conforto, consolo e encantamentos, porque não dizer feitiços, para facilitar a caminhada por este planeta. Ninguém é empossada iyáloríÿa antes de sentar na cadeira especialmente preparada para este mister. Corrente e cadeira, objetos de grande valor simbólico tanto para a religião que pratico – o candomblé, quanto para a Academia de letras na qual agora sou empossada.

Hoje, aos oitenta e oito anos de idade, estou eu recebendo, outra vez, uma corrente, que segura uma linda medalha, e também mais uma cadeira. A medalha me faz lembrar o quão honrosa devo procurar fazer minha caminhada; a corrente, o sustentáculo desta medalha, demonstra o pacto agora firmado com os objetivos da Academia de Letras da Bahia; a cadeira deixa de ser apenas um lugar de assento, para se transformar em um trono simbólico, onde ilustres cidadãos se imortalizaram. Sou agora mais um elo dessa corrente que me liga aos outros elos, meus confrades e confreiras, estejam eles presentes em vida ou em obra. Analisando a palavra cadeira, descubro que esta vem do latim “cathedra”, significando cadeira de braços que confere uma imponência a quem nela se senta. Dessa palavra também deriva o termo catedral, local onde se encontra instalada uma autoridade religiosa. Quando se diz que alguém conhece um assunto “de cathedra”, sobre este se deseja afirmar que ele tem um domínio sobre o tema em voga. 
Não sou uma literata “de cathedra”, não conheço com profundidade as nuanças da língua portuguesa. O que conheço da nobre língua vem dos estudos escolares e do hábito prazeroso de ler. Sou uma literata por necessidade. Tenho uma mente formada pela língua portuguesa e pela língua yorubá. Sou bisneta do povo lusitano e do povo africano. Não sou branca, não sou negra. Sou marrom. Carrego em mim todas as cores. Sou brasileira. Sou baiana. A sabedoria ancestral do povo africano, que a mim foi transmitida pelos "meus mais velhos" de maneira oral, não pode ser perdida, precisa ser registrada. Não me canso de repetir: o que não se registra o tempo leva. É por isso e para isso que escrevo. Compromisso continua sendo a palavra de ordem. Ela foi sentenciada por Mãe Aninha e eu a acato com devoção. Em um dos artigos que escrevi, eu digo: Comprometer-se é obrigar-se a cumprir um pacto feito, tenha sido ele escrito ou não. O verbo obrigar, que tem origem no latim obligare, significa unir. Portanto, quando dizemos um “muito obrigado”, estamos sugerindo a alguém que nos fez um favor que a ele estaremos ligados, em virtude do favor que nos foi prestado. Obrigação é uma das palavras chaves do candomblé: aquela que abre muitas portas. Fazer uma obrigação ou a obrigação, fica sendo, então, uma forma de estar cada vez mais unido aos oríÿa.
Se minha parte branca estuda as origens latinas da língua portuguesa, minha parte negra estuda a língua africana de que fazemos uso no candomblé: o yorubá arcaico. Nessa língua, comprometer-se é wulewu, palavra que tem a seguinte análise: a raiz wù (agradar), a mesma que forma a palavra wúlò, que significa útil; e lé, que é traduzida como seguir em frente, procurando não ser mais um na multidão. Para o povo yorubá e, consequentemente, para os brasileiros que se guiam pela religião nagô, uma pessoa comprometida é aquela que é útil, pois cumpre a função que lhe foi destinada, e por isto pode seguir em frente, distinguindo-se da massa uniforme; uma pessoa comprometida é especial, pois já encontrou sua especificidade, tornando-se, assim, imortal.

É considerado imortal todo aquele que fez ou faz de sua vida uma obra a ser lida, a ser internalizada. É objetivo da Academia de Letras da Bahia manter viva, na memória de todos, a contribuição que ilustres homens e mulheres deram, no sentido de colaborar para o aperfeiçoamento da sociedade e da humanidade. Se um dia, no Ilé Àÿç Opo Afonjá, eu recebi grossas correntes que simbolizam elos de união com os oríÿa, com meus ancestrais e meus descendentes espirituais; hoje recebo uma corrente que me une a todos que um dia pertenceram e os que ainda pertencem a esta nobre instituição. Honrada estou por ter sido escolhida para sentar na cadeira 33, que tem como patrono um ser tão especial quanto Castro Alves e que foi ocupada pelos imortais: Francisco Xavier Ferreira Marques, Heitor Praguer Fróes, Waldemar Magalhães Mattos e Ubiratan Castro de Araújo.

Se meu discurso tem como base o comprometimento, sigo rememorando os primeiros acadêmicos que ocuparam a cadeira 33.

Francisco Xavier Ferreira Marques foi a pedra fundamental da cadeira 33. Imortal também pela Academia Brasileira de Letras, onde foi o segundo ocupante da cadeira 21. No prefácio de sua obra O Feiticeiro, é citada uma fala do advogado sergipano Jackson Figueredo, através da qual se pode sentir a imortalidade desse homem da política, que era autodidata em literatura: “Xavier Marques merecerá o amor de todo o povo brasileiro, na proporção em que for crescendo a nossa consciência nacional. Tê-lo-á todo, quando levarmos não só à pompa dos programas, mas as escolas, o culto do nosso passado. Quando os nossos homens públicos se derem a esta obra, com menos frases e mais seriedade, os livros de Xavier Marques irão parar às mãos da infância e educá-la para a formação da alma brasileira”. Xavier Marques foi um jornalista e político que nasceu em 3 de dezembro de 1861, na prazerosa Ilha de Itaparica, o que contribuiu para que sua literatura encontrasse nos temas praieiros uma fonte de inspiração. Escrever era sua grande paixão. Poeta, romancista e ensaísta, foi com a novela Jana e Joel que a crítica o consagrou.
A imortalidade de uma pessoa pode estar em sua vida, em sua obra, em sua descendência. Xavier Marques partiu do planeta em que vivemos em 30 de outubro de 1942, mas aqui deixou seu neto, o músico Celso Xavier Marques, hoje com 71 anos, o qual vem dedicando grande parte de sua vida e de sua obra musical a memória do avô, a quem chama carinhosamente de "meu velho escritor itaparicano".
O neto não teve o prazer e a alegria de conhecer o avô na vida física, o que não impediu que entre eles fosse firmada uma bonita ligação espiritual. Foi, provavelmente, essa ligação que inspirou o neto de Xavier Marques a escrever um hino em tributo a seu avô, o qual se constitui uma verdadeira biografia sobre o mesmo. A arte musical de Celso Xavier Marques contribui, assim, para tornar a obra de Francisco Xavier Ferreira Marques ainda mais imortal. Celso Xavier Marques traz na letra um elenco dos títulos dos livros publicados por Francisco Xavier Ferreira Marques, os quais são seus trabalhos mais conhecidos, lidos e apreciados: A cidade encantada, A arte de escrever, As voltas da estrada, Jana e Joel, O feiticeiro, Holocausto, Os praieiros, Mar azul, A boa madrasta, Maria Rosa, O arpoador, Sargento Pedro, Insulares, Terras mortas, Pindorama, Terra das palmeiras. Onde estiver, o grande político e escritor baiano há de escutar seu neto cantar: "Deus criou, tão sublime, a sua pena magistral. Fez Xavier Marques, imortal".

O imortal Xavier Marques deixou sua cadeira para ser ocupada por Heitor Praguer Fróes. Filho da histórica e cultural cidade de Cachoeira, nascido no dia 25 de setembro de 1900. Praguer Fróes foi poeta, tradutor, médico e professor. Foi membro não apenas da Academia de Letras da Bahia, mas também de inúmeras outras instituições científicas e culturais, como a Academia de Medicina da Bahia.

Praguer Fróes escrevia com sacrifício. Eu faço uso dessa palavra não no sentido comum que ela possui, como sinônimo de dificuldade, mas em seu sentido original. Escrever para Praguer Fróes era um ofício sagrado, sobre o qual ele dizia: “Quem escreve um livro e o revê e publica passa pelo paraíso e pelo inferno: Pelo paraíso, quando compõe; pelo purgatório, quando retoca; pelo inferno, quando imprime. Pelo paraíso, quando compõe, porque nada é mais agradável do que criar; pelo purgatório, quando retoca, porque nada é tão fastidioso quanto modificar; pelo inferno, quando imprime, porque nada é mais enervante que estar interminavelmente a corrigir”. E foi, pensando e sentindo assim, que Praguer Fróes somou em sua biografia livros de poemas, contos, contrafábulas e inúmeras obras científicas. Sacralizar um ofício é um comportamento típico de quem se preocupa e se ocupa com a humanidade. Tanto que Praguer Fróes chegou a abdicar dos direitos autorais de seu livro Lições de Medicina Tropical, em benefício do então futuro Hospital das Clínicas. Praguer Fróes era um humanista nato, pois herdou de seus pais a consciência cidadã. 

Não se pode nem se deve falar de Heitor Praguer Fróes, sem falar de sua família. Pai, mãe e filho, todos eles médicos que dedicaram a vida a salvar vidas. Sua mãe, Francisca Praguer Fróes, foi uma das primeiras mulheres formadas em Medicina, pioneira em todas as áreas em que atuou, principalmente na defesa dos direitos femininos. Ela dizia: "Eu sou feminista por herança e convicção"; "A inferioridade da mulher não é fisiológica, nem psicológica; ela é social. Sua escravidão sexual determina sua dependência econômica". O pai de Heitor Praguer Fróes, João Américo Garcez Fróes, foi tão "singular figura humana" que quando precisava interferir no comportamento de um estudante de Medicina, de modo a impedir que este fizesse o doente sofrer desnecessariamente, delicadamente dizia em latim: "Non vi, sed arte!” ("Não pela força, sim pela arte!").
O que nosso confrade o jornalista Jorge Calmon diz sobre o pai de Heitor Praguer Fróes é o princípio que faz de um membro da Academia de Letras da Bahia um imortal; é o principio que faz de qualquer pessoa, letrada ou não, um imortal. Ele diz: "Efetivamente, há homens que se tornam instituições. São Poucos. Constituem exceções. A regra geral é o bitolamento medíocre dos inumeráveis componentes do rebanho humano, que a lei da vida vai tangendo, em marcha entre o nascimento e a morte. Nessa indistinta mediania, as inteligências não brilham, o esforço não avulta, o caráter não logra atingir forma, consistência. É a grande planície dos homens comuns. Vez por outra, desse solo rasteiro sobressai uma eminência. O talento, a virtude, o mérito rompem a vulgaridade e projetam de entre a massa os indivíduos bem dotados, ou que a si mesmo se dotam, e cuja ascensão proclama as faculdades superiores da pessoa humana. Foi Garcez Fróes um desses raros indivíduos".

Em 25 de outubro de 1987, Heitor Praguer Fróes seguiu seu caminho rumo ao reino divinal, para encontrar esta linda família que deixou para todos nós um exemplo de vida registrado em livros.

Seguindo a lei da vida, Heitor Praguer Fróes deixou sua cadeira para ser ocupada por Waldemar Magalhães Mattos, que nasceu na cidade de Entre Rios, em 13 de setembro de 1917, e viveu na Terra por 86 anos. Era homem de números e letras. Bacharel em Ciências Contábeis, ingressou na carreira literária em 1940 pelo caminho jornalístico. O conjunto de sua obra é de um valor histórico imprescindível para a compreensão da Bahia e, consequentemente, do Brasil do século XIX. Tanto que em 2011, século XXI, portanto, dois de seus livros foram reeditados: Panorama Econômico da Bahia e O Palácio da Associação Comercial da Bahia, no qual Waldemar Mattos narra o baile que comemorou, em 1911, o centenário da Associação Comercial da Bahia, fundada em 15 de Julho de 1811: “Suntuoso no seu deslumbramento inexcedível, cheio de encantadora poesia e fulgurante pompa. Sem contestação, foi uma cerimônia de destaque excepcional, cujas impressões os anais das crônicas baianas guardarão para sempre". 
Waldemar Mattos também escreveu o livro A Bahia de Castro Alves e foi na sede da Associação Comercial da Bahia que o conclamado Poeta dos Escravos, na verdade poeta dos fracos e oprimidos, fez sua última declamação pública. Na tarde do dia 10 de fevereiro de 1871, apenas cinco meses antes de deixar esta vida, Castro Alves recitou o poema No meeting du Comité du Pain durante uma reunião filantrópica promovida pela colônia francesa em benefício das crianças desvalidas da Guerra Franco-Prussiana. 

Waldemar Mattos ligou-se ao patrono da cadeira 33 ao escrever o livro A Bahia de Castro Alves. E ligou-se a mim, atual ocupante desta honrosa cadeira, por ter ele escrito sobre Dona Francisca de Sande, a primeira enfermeira do Brasil. Afinal, eu hoje sou Mãe Stella, uma iyáloríÿa que orienta as pessoas no sentido de cuidarem do espírito, mas um dia fui Maria Stella de Azevedo Santos, uma enfermeira que orientava sobre os cuidados com o corpo físico.

Deixei para falar por último sobre meu antecessor, Ubiratan Castro de Araújo – Bira Gordo – e sobre o patrono da cadeira que hora ocupo Castro Alves – O Poeta dos Escravos –, pelos laços que nos unem. Cada um de nós lutando por honrar e glorificar um povo que, mesmo chegando escravizado ao Brasil, soube fazer história, ajudando na formação de nosso país em todas as áreas. Cada um de nós lutando por esse ideal de acordo com a época em que viveu e com os dons que recebeu do Deus Supremo: A alma poética de Castro Alves gritou clamando pela liberdade física dos negros; Bira Gordo, com sua capacidade única de contar a história e estórias, tudo fez para mostrar a contribuição indiscutível deste povo; eu, como cultuadora de divindades, rogando sempre para que o orgulho que agora estou sentindo não faça com que minha jornada espiritual seja maculada, sigo esforçando-me no sentido de fazer com que a religião trazida pelo povo africano para o Brasil seja melhor compreendida e, assim, mais respeitada.

Em um discurso tão longo, tudo fiz para não cansar os ouvintes. Não sei se estou conseguindo, mas em respeito a meu grande amigo e antecessor na cadeira 33, o historiador Ubiratan Castro de Araújo, tentei alcançar este feito procurando construir meu discurso de posse narrando fatos de modo histórico, mas com a leveza de uma contadora de "causos". Como disse anteriormente, Bira Gordo foi um grande contador da história e de estórias. Nascido em Salvador, em 22 de dezembro de 1948, o Professor Doutor Ubiratan Castro de Araújo foi graduado em História, pela Universidade Católica do Salvador e em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Um estudioso por natureza, fez mestrado em História na Université de Paris X, Nanterre, e doutorado em História na Universite de Paris IV (Paris-Sorbonne). O fato de ter recebido o Troféu Clementina de Jesus da União dos Negros pela Igualdade e a Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara Municipal de Salvador mostra o reconhecimento pelo empenho de Bira Gordo contra a discriminação racial. Foram inúmeras as vezes que nos encontramos em seminários, e outros encontros de ordem semelhante, para reafirmar a grandeza histórica do povo negro e sua sabedoria ancestral, que é capaz de orientar qualquer um que dela se aposse. Afinal, sabedoria não tem cor e não pertence a nenhuma raça específica.
A frágil saúde de Bira Gordo, como gostava de ser chamado, não o impediu de dar uma grande contribuição ao mundo intelectual e de transmitir alegria por onde passava e para todos com quem convivia. Sua prestabilidade era incontestável! Nunca se negava a participar de nenhum evento para o qual fosse convidado a contribuir com sua forma única de estoriar a história. Intelectual cinco estrelas; contador de "causos" de estrelas incontáveis. Bira registrou pouco seus vastos conhecimentos.
Foram apenas três os livros por ele escritos: A Guerra da Bahia, Salvador Era Assim - Memórias da Cidade e Sete Histórias de Negro. Editou pouco, mas falou muito, muito, muito... E era uma fala deliciosa de ser ouvida. Em seu único livro de ficção, Sete Histórias de Negro, ele conseguiu reunir muito do que era, sabia e lutava. Para dizer o que Bira era, sabia e lutava, tomarei emprestado o que seu amigo, o jornalista e escritor, Emiliano Queiroz, disse sobre ele: "Quando a barra pesava, quando algum problema o atormentava, Bira punha-se a cantarolar como a se convencer de que os orixás pudessem socorrê-lo ou simplesmente como uma maneira de afastar os maus olhados e buscar socorro na poesia, que ela sempre ajuda - quanto mais quando a alma não é pequena, e a dele era do tamanho do mundo". Concordo, por experiência própria, com a opinião de Emiliano Queiroz sobre Bira: "O mestre que compartilhava sua erudição como quem contasse histórias à beira da fogueira".

Um exemplo claro dessa capacidade que tinha Ubiratan Castro, um intelectual do povo, é a última história escrita em seu livro Sete Histórias de Negro. Intitulada "O Protesto do Poeta", a referida história é muito adequada para este discurso, uma vez que narra uma conversa que acontece em uma sessão espírita entre Castro Alves e um grupo de pessoas. Como bom piadista que era, não escapou da mente criativa de Bira Gordo nem o patrono da cadeira que ocupava na Academia de Letras da Bahia. Para Bira, a vida parecia ser uma piada e a piada uma coisa muito séria. Condensada de maneira irônica no "causo" do protesto do poeta, Bira conta a trajetória da libertação dos escravos no Brasil ocorrida no passado, alertando para a necessidade constante por uma luta pela liberdade, pois as correntes de ferro, antes visíveis, são, no presente, correntes imperceptíveis, que marginalizam e excluem. 

Bira Gordo nos deixou a pouco tempo, em 3 de janeiro do ano em curso. Se hoje ainda estivesse conosco, digo fisicamente, é provável que buscasse na poesia de Castro Alves a força que precisamos para continuar enaltecendo um povo guerreiro, ao mesmo tempo pacífico e afetuoso, que soube amar e amamentar quem os escravizou. 
Muitas pessoas, no passado e no presente, lutaram para que hoje eu pudesse, de maneira natural, fazer parte desta Academia. Uma delas foi o patrono da cadeira onde me firmo. Antônio Frederico de Castro Alves entoou gritos poéticos na tentativa de despertar a sociedade brasileira para a mais cruel de todas as atitudes humanas: a privação da liberdade. Em 1868, através de seu poema "Vozes d'África", ele clamou: 

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? 
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes 
Embuçado nos céus? 
Há dois mil anos te mandei meu grito, 
Que embalde desde então corre o infinito... 
Onde estás, Senhor Deus?... 
Qual Prometeu tu me amarraste um dia 
Do deserto na rubra penedia 
- Infinito: galé! ... 
Por abutre - me deste o sol candente, 
E a terra de Suez - foi a corrente Que me ligaste ao pé...

Se minha bisavó chegou ao Brasil presa a muitos outros negros africanos, amarrada por correntes que lhe tiraram o maior de todos os bens que pode ter qualquer ser vivo – a liberdade, hoje aqui me encontro acorrentada por um adorno que me une a todos os baianos, brasileiros, humanos, letrados ou não letrados. O Poeta dos Escravos desejava ver todos os homens tratados com igualdade de condições; queria ver desacorrentados os negros escravizados. Por isso, Castro Alves escreveu um dos mais conhecidos poemas da literatura brasileira, "O Navio Negreiro", no qual denunciava as atrocidades sofridas pelos africanos na travessia oceânica que foram obrigados a se submeterem: 

Era um sonho dantesco... o tombadilho 
Que das luzernas avermelha o brilho. 
Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, 
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas 
Magras crianças, cujas bocas pretas 
Rega o sangue das mães: 
Outras moças, mas nuas e espantadas, 
No turbilhão de espectros arrastadas, 
Em ânsia e mágoa vãs! 
E ri-se a orquestra irônica, estridente... 
E da ronda fantástica a serpente 
Faz doudas espirais ... 
Se o velho arqueja, se no chão resvala, 
Ouvem-se gritos... o chicote estala. 
E voam mais e mais... 
Presa nos elos de uma só cadeia, 
A multidão faminta cambaleia, 
E chora e dança ali! 
Um de raiva delira, outro enlouquece, 
Outro, que martírios embrutece, 
Cantando, geme e ri!

O baiano Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847 na fazenda Cabaceiras, antiga freguesia de Muritiba, que é hoje a cidade de Castro Alves. Era dotado de uma constituição física frágil, mas de uma forte alma humanizada, que contestava as barbaridades típicas da época em que viveu – o século XIX. Foi corajoso o suficiente para que, com apenas 21 anos de idade, obrigasse os fazendeiros donos de escravos a escutá-lo recitar "O Navio Negreiro", pois estando todos em uma comemoração cívica não seria politicamente correto retirar-se do recinto.
A poesia de caráter social de Castro Alves era típica da terceira geração do Romantismo brasileiro, chamada Condoreira, pois o condor é uma ave símbolo de liberdade. Representante da burguesia liberal, Castro Alves foi o último grande poeta da geração Condoreira que, por meio da literatura, instigava o povo para exigir a abolição da escravidão e a proclamação da república, aproximando, assim, o Romantismo do gênero literário seguinte – o Realismo.

Se as causas sociais eram o ideal de Castro Alves, o amor era sua fonte de inspiração. E como são lindos seus poemas de amor. Escutemos com a alma seu poema "As Duas Flores", que na Escola Nossa Senhora Auxiliadora, de propriedade da professora Anfrísia Santiago, eu costumava recitar para minhas colegas no horário de recreio: 
São duas flores unidas
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo, no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.
Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.
Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!

Intensamente viveu Castro Alves a sua curta vida de 24 anos. Em 6 de julho de 1871 ele não pode mais sentir na carne os prazeres do amor. Também não pôde ver os escravos desacorrentados, não pôde assistir a seu ideal concretizado. Mas sua curta vida é longa. Estamos hoje, aqui, nos deleitando com seus versos. Uma senhora de 96 anos, falando sobre seu primo Castro Alves, um dia me disse: "Por amor ele viveu, por amor ele morreu. Mas quem morre por amor não morre: torna-se imortal."

Eu sou o quinto elo da correte que forma a cadeia de iyáloríÿa do Ilé Àÿç Opo Afonjá. Eu sou a quinta pessoa a ocupar a cadeira 33 da Academia de Letras da Bahia. O número cinco é meu guia. Há setenta e quatro anos atrás, nesta mesma data, eu fui iniciada para o oríÿa caçador – Õÿösi. Hoje é uma quinta-feira, dia consagrado a meu oríÿa. Nada disso foi programado, nada disso é coincidência. É magia e destino! 

Na cadeira 33, e em todas as outras que compõem esta nobre instituição, cabe pessoas de todas as profissões, cores, religiões, estilos literários... Na cadeira 33, e em todas as outras desta instituição, só não cabe vaidade, nem modéstia. Não sendo vaidosa, digo que, com certeza, não fui escolhida para ser uma acadêmica pelo fato de escrever livros com sofisticação gramatical. Não sendo modesta, tenho a convicção de que se hoje aqui estou é por escrever minhas experiências de modo a cumprir meu compromisso sacerdotal. Não se esqueçam que compromisso e união são as bases em que meu discurso foi fundamentado. Sentar-me na cadeira 33 da Academia de Letras da Bahia era meu destino.

O que escreveu meu confrade Paulo Costa Lima, quando fui escolhida para esta confraria, transmite com perfeição meus pensamentos sobre esse novo envolvimento em minha vida. Ele assim pensou e escreveu: "Hoje, 25 de abril, a Academia de Letras da Bahia jogou os búzios e o nome que apareceu foi o de Mãe Stella de Oxossi, para ocupar a cadeira cujo patrono é Castro Alves, sendo o grande historiador baiano Ubiratan Castro o último ocupante. A escolhida se fez presente logo após a votação para o abraço e a manifestação do compromisso. Foi uma bela cena, e muito rara. Um encontro de erudições da África e da Europa. Na verdade, um gesto inovador que não pode deixar de ser levado em conta como paradigma de abertura de horizontes e de convivência das diferenças... na luta de afirmação da tradição afro-brasileira e, portanto, pelo respeito aos direitos à alteridade e identidade própria.Diante da contribuição civilizatória que a África trouxe ao Brasil, alguns preferem calar, outros reconhecem mas acentuam a natureza oral dos conhecimentos e saberes.Mãe Stella rompeu essas barreiras (entre tantas), e passou a defender uma representação mais sintonizada com os novos tempos, conectando oralidade e manifestações letradas...."
Como já disse, sou bisneta de portugueses e africanos. Essas duas descendências não são somente minhas. São do Brasil. Quantas e quantas vezes estamos falando palavras de origem africana, pensando estar falando em português? Tôrô é chuva, görô é cachaça, gògó é garganta, todas elas palavras da língua yorubá, que precisam ser preservadas em sua origem. Talvez muitos tenham estranhado, em alguns momentos do discurso, ser falado os oríÿa, as iyáloríÿa. Não é erro. É que na língua yorubá as flexões gramaticais, no que se refere a número, são construídas de maneira diferente da língua portuguesa. Essa herança faz com que muitas vezes o povo fale uma mistura de português com yorubá. Sobre os dialetos africanos, a confreira Ieda Pessoa de Castro conhece o assunto de cathedra. Escrevo com a intenção maior de salvaguardar a língua e a sabedoria de meus ancestrais africanos, pois tendo sido este povo ignorado por séculos, seus conhecimentos correm o risco de serem esquecidos ou transmitidos de maneira deturpada.

Ser iniciada aos catorze anos de idade, fez com que eu tivesse a vantagem da inocência. Sem saber da responsabilidade que me esperava, eu brincava de caçador. Afinal, fui consagrada para o oríÿa Õÿösi – a divindade caçadora. Na minha mocidade, pude conciliar a profissão com a religião, cuidando do ser humano como enfermeira sanitarista durante trinta e cinco anos, quando me aposentei, ao tempo em que servia também aos deuses.
Curiosamente, alguns mais velhos insistiam em me repassar os conhecimentos que possuíam sobre os fundamentos do candomblé. Em uma época em que nossa tradição era transmitida apenas oralmente, Bida de Iyemonjá, por exemplo, contrariava o costume e de maneira obstinada mandava que eu anotasse nossas conversas. Muito tímida e respeitosa, não era fácil fazer o que ela mandava.
Com o passar do tempo, entendi que os mais velhos queriam munir-me de conhecimentos, pois cada dia eu recebia mais informações. Só em dezenove de março de mil novecentos e setenta e sete, quando fui escolhida iyáloríÿa do terreiro de candomblé onde fui iniciada – o Ilé Àÿç Opo Afonjá, na Bahia –, é que pude enfim compreender o porquê de toda aquela atenção para comigo. Nos anos que se seguiram, não apenas os mais velhos, mas também pessoas mais novas me enviavam importantes materiais de pesquisa sobre a religião que nos foi legada pelos africanos. As minhas atividades como iyáloríÿa são muitas e nunca me permitiram organizar tudo que eu recebia por revelação divina ou por gentileza dos homens, o que muito me preocupava.

Como iniciada que sou, tenho tendência a resguardar os mistérios, evitando retirar os véus que os encobrem. Por isso, não foi uma decisão nada fácil fazer uso da tradição escrita para registrar os conhecimentos que adquiri através da tradição oral. A ousadia veio da necessidade, mas a coragem veio da permissão dos oríÿa. Diante da modernidade, essa ficou sendo minha única alternativa para evitar deturpações da essência de uma religião milenar. Não sou uma escritora! Sou uma iyáloríÿa que escreve! Sou uma iyáloríÿa que escreve com o objetivo primeiro de não deixar perder a valiosa herança de nossos ancestrais. Assim foi que optei por oferecer a todos, indistintamente, a riqueza da filosofia yorubá, de maneira escrita, porém respeitosa, evitando expor fundamentos que interessam, apenas, aos sacerdotes, por serem eles responsáveis pela execução de rituais. A busca pela ampliação do conhecimento deve ter como interesse principal o aprimoramento pessoal, visando uma amplificação das capacidades enquanto ser humano. 

Se eu chamo meus colegas de academia de confrades e confreiras, é porque estamos juntos na mesma confraria. No Ilé Àÿç Opo Afonjá, cumprimentamos uns aos outros chamando-nos de irmãos, estamos em uma irmandade. Confraria, irmandade, comunidade...elos unidos formando uma corrente por um objetivo comum. Na Academia de Letras da Bahia, o objetivo é cultuar para preservar a tradição escrita. No Ilé Àÿç Opo Afonjá, o objetivo é cultuar para preservar a tradição oral. Sou uma acadêmica oriunda da família Opo Afonjá, que tem como Iyá Nlá – a Grande Mãe – Ôba Biyi, Mãe Aninha, que no início do século XX escreveu um adurá (uma reza), na língua yorubá, pedindo bênçãos para a construção do Terreiro de Candomblé que tem como patrono o oríÿa ßàngó: seu élédá, o dono de sua cabeça.

Mãe Aninha assim rezava em yorubá:
Ôba Kawoo 
Ôba Kawoo Kabiesile 
Kö mö èsi kunlè 
Ôba Kawoo 
Ôba Kawoo Kabiesile 
Çkùn
Esse adurá, em tradução, quer dizer: "Xangô, Rei Leopardo cuja decisão e ação ninguém poderá questionar. Dê-me como resposta a construção completa desta casa". Através dessa reza em forma de cântico, Mãe Aninha pediu condições para construir o Ilé Àÿç Opo Afonjá. Ainda hoje, nós, seus descendentes espirituais, continuamos entoando sua oração, todas as quartas-feiras na "Casa de Candomblé" construída por ela, pedindo forças para nos mantermos firmes em nossas decisões; pedindo humildade para mudar as ações que nos sejam questionadas, apenas quando elas forem justas. Somos descendentes de Mãe Aninha! Somos filhos de ßàngó! Somos filhos da justiça! Somos educados, polidos e firmes. Somos filhos da resistência!
Se Mãe Aninha pediu a seu oríÿa, ßàngó, forças para construir seu "Terreiro de Candomblé", eu peço a meu oríÿa, Õÿösi, que dê força, saúde e prosperidade a mim e a todos aqui presentes, principalmente aqueles cujos corações são puros.
Mãe Stella puxa o cântico em homenagem a seu oríÿa:
Olówo mo npe mi ô iye iye
Ôdç mo pe mi olùbö ai pè
Mo npe mi ô iye iye
Ôdç mo pe mi olùbö ai pè
Mo npe ni ná së ni dé ná



quinta-feira, 12 de setembro de 2013

LANÇADO FILME SOBRE A OCUPAÇÃO DANDARA, DE BH



No último domingo foi lançado na ocupação Dandara o filme de mesmo nome. Dirigido por Carlos Pronzato, o filme de 65 minutos conta a história de como se deu a ocupação, através da luta organizada de despossuídos, e a construção de uma nova comunidade que se mantém unida. Por meio de depoimentos de moradores, militantes, apoiadores e outros atores envolvidos no processo a história é contada num roteiro contagiante. O filme foi projetado em um pano branco, amarrado a duas estacas.

A ocupação do terreno foi iniciada no dia 9 de abril de 2009 e Dandara comporta mais de mil famílias. Como é apresentado na sinopse do filme, no DVD, "surgiu como resposta a um modelo de cidade que prioriza uma minoria abastada em detrimento de uma massa pobre e negra, que sofre com a falta de direitos essenciais à vida.

A programação incluiu ainda exposição de trabalhos artesanais, em feira que ocorre lá em todos os finais de semana, uma celebração religiosa com o frei Gilvander Moreira, e após a apresentação houve shows com Sérgio Pererê e Daniel Guedes.

 A próxima exibição será na cidade de Timóteo, MG, nas 8 ocupações em que as Brigadas Populares atuam, no dia 19/09, quinta-feira, as 19h. Abaixo, fotos do evento.








CLIQUE AQUI para assistir ao filme.
E aqui entrevista com o diretor do filme, Carlos Pronzato, realizada pelo frei Gilvander Moreira.


E AQUI para acessar o blog da ocupação.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

DILMA SANCIONA LEI QUE DESTINA 75% DOS ROYATIES DE PETRÓLEO PARA EDUCAÇÃO



8 de setembro de 2013 | 22:00

Amanhã começa um grande momento para a educação brasileira.
A Presidenta Dilma Rousseff sanciona a lei que destina, obrigatoriamente, 75% dos royalties do petróleo do pré-sal para a educação pública, ficando os outros 25% para a Saúde. Seriam, pelo projeto do governo, integralmente destinados à educação, mas os congressistas impuseram essa partilha. Que seja.
Poucos estão se dando conta do que isso vai representar, porque são recursos que mal começaram a ser explorados, mas significa uma imensa massa de dinheiro que será destinado à educação básica em nosso pais.
Serão, nos próximos oito anos, cerca de R$ 140 bilhões de reais, em valores sempre crescentes, que vão nos ajudar a atingir cerca de 7,2% do PIB investidos em educação. E assim começar a corrigir a imensa distorção dos gastos públicos com a formação dos brasileiros que, além de serem baixos diante de nossas necessidades, têm uma distribuição elitista e injusta.
Vejam: o investimento do Brasil em educação aumentou de 3,5% para 5,6% do PIB entre os  2000 e 2010, segundo um relatório divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Superamos a média de investimento dos países da organização, de 5,4%e ficamos â frente de países como os EUA, que gastam 5,1% de seu PIB e próximo à França (5,8%) e ao Reino Unido (5,9%).
Calma, não estranhe….
O mesmo relatório da OCDE diz que o país investiu em média US$ 2.964 (aproximadamente R$ 6,6 mil) por estudante em 2010, contra US$ 8.382 (cerca de R$ 18,8 mil) nos países da OCDE.
Opa! Como é isso? Investimos igual e, ao mesmo tempo, menos de um terço do que os paìses desenvolvidos fazem?
Somos um país ainda pobre e 10% do pobre, muitas vezes, é bem menos que 1% do rico.
É óbvio que é preciso mais – e muito mais – dinheiro para a educação.
Mas aquele documento deve ficar como um alerta de que o dinheiro dos royalties deve ser quase que exclusivamente aplicado em educação básica.
Porque mostra o tamanho das defomações de nossa pirâmide educacional.
“A educação superior recebeu a maior parcela de gastos no Brasil ─ US$ 13.137 por estudante, mais que a média dos países da OCDE, de US$ 11.383, e mais que os US$ 12.112 dos Estados Unidos”
Óbvio que isso não significa que devamos tirar da educação superior para dar à básica, não apenas porque essa é essencial para o país como representa uma pretensão legítima contar com a possibilidade de uma univerdidade pública e gratuita, de fato acessível a todos.
E ela não é assim, mesmo com todos os sistemas de cotas, quando o aluno pobre chega à seleção por suas vagas em uma abismal inferioridade de preparação em relação aos jovens de famílias bem aquinhoadas economicamente.
Isso deve servir também para que comecemos a pensar na necessidade de estabelecerem-se contrapartidas sociais para aqueles que tem acesso à oportunidade de um ensino superior público e gratuito. Essa formação não é exclusivamente um ganho privado, mas uma apropriação de recursos públicos preciosos que, de alguma forma, devem ser revertidos para a coletividade, que precisa se beneficiar da qualificação de pessoal pela qual, afinal, a sociedade pagou.
De qualquer forma, essa é uma discussão longa, cheia de nuances e implicações, que deve ser travada pela sociedade e pelos educadores brasileiros.
O importante é que amanhã, o petróleo brasileiro vai se tornar, felizmente, combustível para a educação de nosso povo.
Um dia tão importante, que, não importa que seja o nove, todos nós temos o direito de senti-lo como Sete de Setembro.
Por: Fernando Brito

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

E AGORA, AÉCIO, MINAS OU O BRASIL?




Em post publicado no dia 5 de junho, intitulado "Aécio Neves, pré-candidato à presidência ou ao governo mineiro?", este blog vislumbrava como difícil, senão inexequível, uma candidatura de Aécio à presidência da República, e que deverá sair como candidato ao governo mineiro. (LEIA AQUI)

Outros argumentos se somam aos apresentados no post. São Paulo e Minas Gerais respondem juntos por cerca de 43% do PIB nacional, são os dois estados mais populosos e abrigam os dois maiores colégios eleitorais do país. Imagine-se o peso disso numa eleição. O PSDB governa 8 estados brasileiros: São Paulo, Minas, Paraná, Goiás, Pará, Alagoas, Tocantins e Roraima, que respondem por 55% da riqueza produzida.

O PT ganhou nas últimas eleições a prefeitura paulistana, o que lhe dá uma grande força na disputa estadual, e vai investir pesadamente nessa disputa. Em Minas, pesquisas demonstram enorme vantagem para o partido frente aos nomes ligados ao PSDB e colocados como adversários em pesquisas: o vice-governador Alberto Pinto Coelho (PP), a secretária estadual Renata Vilhena, o presidente da Assembléia Legislativa, Diniz Pinheiro, a irmã de Aécio Neves, Andréa Neves.

Recentemente ensaiou-se o nome do ex-prefeito Pimenta da Veiga, que está fora do estado há 15 anos e também não possui base popular, sendo praticamente um desconhecido para o eleitorado atual. O prefeito belorizontino, Márcio Lacerda (PSB), que poderia ser um nome, já deu declarações no sentido de que não será candidato, e além de não ter maior expressão política estadual sofre intensa campanha de desgaste por parte dos movimentos sociais na capital.

Durante os mais de 7 anos de governo Aécio, praticamente o único nome em que o PSDB investiu e cultuou no estado foi o do próprio ex-governador e atual senador, já com vistas inclusive à sucessão nacional do próximo ano. A única exceção foi o atual governador, Antônio Anastasia, que está fora da disputa para o governo em 2014. Parece que a alternativa que resta ao partido para a disputa estadual é mesmo uma candidatura Aécio Neves. A não ser que o partido queira entregar com facilidade o governo estadual ao seu maior adversário, como apontam os números. Coisa que o PT festejaria exultante.

E é improvável, em altíssimo grau, que o partido possa produzir e fazer crescer um nome novo que concorra efetivamente com os petistas, mesmo se valendo da mídia que sempre lhe foi simpática. Veja-se o caso da Globo, 'pedindo penico' ao governo federal e à população brasileira, ao publicar que seu apoio ao golpe de 64 e à ditadura foi 'um erro'. Não é possível mais criar um 'caçador de marajás'. O povo não é bobo.

Se o PSDB perder Minas Gerais e São Paulo, com a presidenta Dilma sendo reeleita, fecha as portas, como parece estar ocorrendo ao DEM. Mesmo que perca apenas Minas, o golpe de misericórdia não tardará. O peso político mineiro no país não é pouco, e sabem disso. Para piorar para Aécio, tem a disputa interna no ninho tucano com José Serra, que quer prévias no partido e poderá ainda migrar para outro, o PPS, por exemplo, e disputar as eleições. 




Para piorar mais ainda, os números da economia não caminham para o desastre desejado e até alardeado por uns e outros no país. Após os movimentos sociais que eclodiram em junho, e apesar do julgamento do chamado mensalão petista, com todo o alarde midiático, pesquisas indicam que Dilma venceria em todos os cenários postos, incluindo os nomes de Marina Silva, Aécio, Serra, Eduardo Campos e o do presidente do STF, Joaquim Barbosa. E o PSDB vai ter de se ver pelo menos com o caso Siemens, em ano eleitoral, e as graves acusações que comporta.

Se Aécio consegue a candidatura para presidente e perde, com o PT ganhando em Minas, como tudo indica, caminhará rapidamente para um triste fim político, como ocorre ao seu correligionário Eduardo Azeredo. Terminará os 4 anos que ainda tem no Senado e depois será eleito deputado federal, apenas isso, se dirigindo para uma vida política inexpressiva.

Aécio não pode mais se beneficiar diretamente da publicidade oficial do governo do estado, já que não é governador, e quando foi isso se deu com generosidade. Tem agora o espaço na mídia de que dispõe como presidente nacional do PSDB. E acredito que usa disso já na perspectiva da disputa do governo mineiro, que já pensa que tem que diminuir a pretensão do voo, apesar de seu ímpeto, e cair para a disputa estadual. E que seu partido também já avalia isso como o mais certo. Depois de tudo, seu discurso oposicionista a Dilma mostra-se muito fraco. Parece que o PSDB vai ter de entregar anéis para tentar não perder os dedos.

Um fator novo em tudo isso poderia se dar com uma candidatura de Joaquim Barbosa ao governo mineiro, a ser anunciada apenas a partir de março ou abril de 2014, mantendo Aécio na campanha nacional, em rota de colisão com Serra e tendo que encarar o caso Siemens. E mais o peso de Marina Silva. E Joaquim Barbosa seria cobrado sobre o não julgamento do chamado mensalão mineiro. O desastre poderá se anunciar muito maior.